Sonhos de Lennon, no Brasil
Oswaldo Coimbra - 29/11/2019 13:59

Por que o sonho acabou, foi o título usado por Mikal Gilmore, na matéria publicada pela Revista Rolling Stone, em 2012, na qual o jornalista e escritor tentou explicar o fim dos Beatles. Muitos culpam as maquinações de Yoko Ono - ele escreveu, lembrando as explicações - sempre simplistas - dadas à separação dos componentes da banda de rock. Os quais - ele acrescentou - “influenciaram sua época com o mesmo peso de qualquer força política e com resultados mais benéficos que a maior parte delas”.
A própria Yoko declarou, na ocasião: “Não acho que alguém seria capaz de abalar quatro pessoas fortes como eles. Acredito que outra coisa aconteceu”. E o que seria tal coisa? Gilmore a resume assim; “Os quatro estavam juntos havia tempo, fazendo parte de uma história tão cheia de mágoas quanto de grandeza”.
Surpreendentemente, muita gente continua achando que Lennon quando cunhou a famosíssima frase “O sonho acabou”, na letra de “God” estava desistindo do peso da sua influência social positiva. Quando se referia apenas ao fim da influência mantida pelos Beatles. Não perceberam que, na mesma letra, Lennon também declarou que passara a não mais acreditar nos Beatles. “Apenas acredito em mim. Yoko e eu”, afirmou.
No ano seguinte, Lennon se encarregou de esclarecer o sentido verdadeiro da sua frase. Na letra de “Imagine”, pediu às pessoas que se imaginassem partilhando tudo, num mundo sem ganância e sem fome. Acrescentou: “Você pode dizer que eu sou um sonhador. Mas, não sou o único”. E não era. Havia outros, ainda hoje, fiéis àqueles sonhos. No universo da música brasileira, inclusive. Como Chico Buarque que, naquela época, perseguido pela Censura, detido três vezes pela polícia política, se viu na contingência de se autoexilar na Itália. E como Gilberto Gil e Caetano Veloso, então, exilado na própria terra dos Beatles, depois de terem sido presos no Rio e confinados em Salvador, pela Ditadura Militar brasileira, punidos como Chico, por aspirações altruístas como as de Lennon.
Contudo, durante uma semana - recorda Gil, em seu site -, ele e Caetano tinham se juntado a outros artistas rebeldes brasileiros, num campo à Sudoeste da Inglaterra. Tendo, à noite, por abrigo, sacos de dormir. Num desconforto compensado pelo privilégio de assistir ao Festival de Glastonburys, o segundo maior de música, a céu aberto, do mundo.
Ali, Gil começou a criar sua música “O sonho acabou”, atingido pela frustração que a confusão de sentidos no entendimento da frase provocava num artista castigado por cultivar os ideais generosos de Lennon. Sentimentos que expressou usando na letra a metáfora do cordeiro ao designar quem luta pela paz. O sonho - ele diz, com amargura - acabou transformando o sangue do animal pacífico em água.